Alguma gente, estranha, estranha a atitude. Entendem que um ano de Mar não é motivo de celebração, nem sequer há nada a celebrar por aqui.
Faz hoje um Domingo macio.
Dois dias de Mar separam-nos do próximo cais.
Entardece generosamente. Recupero lentamente da cama macia e de um sono profundo. Estive realmente ausente do navio, longe, muito longe. Num local tranquilo.
Não recordo como lá cheguei, nem trago pedaços do caminho percorrido na partida.
Mas o regresso foi bastante diferente. Percebido, suave, sem sobressaltos, imerso num casulo protetor. Os sentidos perderam os sentidos. O registo não chegou pelo olhar, nem pelo tato. A comunicação não se fez por linhas ou ondas. Mais por um espaço pleno de boa energia, equivalente a um oceano de paz e harmonia.
Não vi nada mas senti tudo. Que tudo estava bem. Comigo e com os habitantes de cada recanto do meu coração. Chegaram-me boas notícias de todos, através de mensagens claras, sem palavras, uma versão avançada de comunicação, independente de qualquer idioma. Vislumbrei aqui um pouco do futuro.
Daqui a algumas horas, o calendário testemunha um ano da minha presença no Mar.
Entusiasmados e solidários, outros quarenta e nove reclamaram reconhecimento e celebração. Nem sequer hesito. Gosto de alegria. Gosto de partilha.
Sem cerimónias, a festa faz-se em cada olhar que entrego, nas palavras que preparo e tempero com particulares especiarias, num abraço aberto e largo onde cabe uma multidão. Também na mesa, partilhada com outro cuidado e convidados.
Alguma gente, estranha, estranha a atitude. Entendem que um ano de Mar não é motivo de celebração, nem sequer há nada a celebrar por aqui. Sugerem-me que me vá, que suicide o sonho, apelidam-me de bicho estranho. Cizentos, vestem um olhar gradeado, revelando um cárcere onde, muito tempo atrás, se envergonhou o sorriso.
Respondo-lhes que celebrar é um dos atos de maior humanidade e comunidade, um ato de Amor. Sublinho que a vida é, toda ela, uma celebração. Agito-me na defesa – trabalho num navio mas não prescindo de viver. Não guardo para o regresso a alegria de emigrante. Quero-a também aqui, inseparável do meu corpo e da minha alma.
Sorriem finalmente. Da minha ingenuidade.
Sorrio-lhes também, como sempre. Grato.
A amizade também cresce na diversidade.
A tolerância e o respeito relembram-me as palavras que aprendi, de um jovem e britânico amigo deste Mar:
– Don’t fix something that is not broken!
Não tento.
Já aprendi esta lição.
Até já!
“Sublinho que a vida é, toda ela, uma celebração.”
É mesmo……! Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, intolerâncias e períodos de agrura.
Por isso…. devemos todos os dias celebrar a vida…..fazer dos maus….bons momentos!
Boa viagem!
Paula Lage
Viva Paula,
A vida é um mistério e cada dia pode ser surpreendente, pelo melhor ou pelo pior.
Depende de nós, ser ou não ser cúmplices dos maus momentos. E claro, amantes famintos dos bons momentos 🙂
Forte Abraço!
Alvaro